Análise bidimensional do comportamento dinâmico da inclinação lateral do tronco na marcha de um amputado transfemoral de membro inferior esquerdo protetizado.

Autor: Roberto Araújo Enéas

Data:09/04/2024

País: Brasil

Materia: Próteses de MMII

Idioma: Portugués

Email: robertoeneas@yahoo.com.br

Autor: Roberto Araújo Enéas

Instituição: Universidade Federal do Ceará  – Fortaleza, CE – Brasil

e-mail: robertoeneas@yahoo.com.br

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Siglas

  • TF (transfemoral)
  • TT (transtibial)
  • ILT (Inclinação Lateral do Tronco)
  • EIAS (espinhas ilíacas ântero-superiores)
  • MAN (manúbrio esternal).
  • AQ (ângulo do quadril)
  • AT (ângulo do tronco)

INTRODUÇÃO

Amputação pode ser definida como a retirada parcial ou total de um ou mais membros do corpo (PITETTI; MANSKE, 2004). Ela é consequência comum de doença vascular periférica, diabetes ou de trauma acidental, conflitos civis ou minas terrestres, sendo sua incidência e prevalência difíceis de determinar em dados precisos em nível internacional (KOHLER et al., 2009). Amputações de membros inferiores são classificadas em função da altura da retirada do membro, sendo as mais comuns as amputações transtibiais (TT) e transfemorais (TF) (PITETTI; MANSKE, 2004). As amputações TF se referem às realizadas entre a desarticulação de joelho e quadril (ENÉAS; MASIERO, 2015).

Independentemente do nível de amputação, a literatura tem indicado que a perda de um membro inferior altera a mecânica e execução da marcha, sendo mais evidente com o aumento da velocidade da caminhada (NOLAN et al., 2003). Uma condição musculoesquelética comum que se desenvolve após amputação é a dor lombar crônica que pode ser uma consequência de um ou combinados fatores mecânicos incluindo atrofia muscular, perda de força, nível de amputação, características cinemáticas de movimento, carga e forças mecânicas, desenho do encaixe protético e discrepância de comprimento de perna (WASSER et al., 2019). Amputados unilaterais de membros inferiores com lombalgia crônica aumentam o estresse na coluna vertebral e apresentam dores que limitam a função física, e redução da qualidade de vida (WASSER et al., 2019). No intuito de minimizar essas alterações, recomenda-se uma reabilitação específica para amputados. Deve-se fazer um treinamento para simetria espaço-temporal dos passos e do comportamento do tronco, porém na maioria das vezes não conseguimos mensurar os ângulos do quadril, tronco, membros superiores e inferiores sem o auxílio de um oneroso laboratório de marcha com análise tridimensional.

Estudos desenvolvidos por Heitzmann et al. (2020), Leijendekkers et al. (2017), Petrofsky (2001) e Sagawa et al. (2011), que analisaram a marcha em pessoas com amputação dos membros inferiores têm utilizados parâmetros biomecânicos (velocidade de caminhada, ângulos do joelho, força de reação vertical do solo e ângulo do tornozelo) e fisiológicos (VO2, gasto energético e eletromiografia da atividade muscular dos membros inferiores) (SAGAWA et al., 2011). Para execução da maioria dos estudos são necessários complexos laboratórios de marcha, análises fisiológicas ou eletromiográficas, o que dificulta a aplicação dessas apreciações na prática clínica.

O diferencial do presente estudo de caso é demonstrar de forma simples e eficaz a quantificação do ângulo da Inclinação Lateral do Tronco (ILT) que o paciente realiza durante a caminhada para ambos os lados, lado da prótese e lado oposto a prótese em um paciente amputado a nível TF. A ILT do paciente amputado pode justificar as possíveis dores lombares, aumento do gasto energético ou mesmo a claudicação da marcha, o que incomoda alguns pacientes devido o prejuízo estético da caminhada. A mecânica alterada da ILT assimétrica pode ser um bom parâmetro para explicação desses sinais e sintomas. Esperamos que os resultados deste material contribuam para avaliação dos ângulos de ILT em pessoas com amputação, seja para quantificar esses ângulos preventivamente a efeitos indesejados ,como lombalgias, ou mesmo para parâmetros de resposta a tratamentos.

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente FMS 34 anos, amputado transfemoral de membro inferior esquerdo devido a acidente automobilístico ocorrido em setembro de 2001. Paciente refere dores lombares ao caminhar e queixa-se de uma assimetria na marcha, o que o incomoda por questões estéticas e acredita que essa forma de andar inclinada, explique as dores que sente na região lombar. Paciente usuário de encaixe sub isquiático com liner de proteção do coto, joelho microprocessado e pé dinâmico em fibra de carbono. Paciente não refere desconforto no encaixe nem apresenta queixas em relação a prótese.

METÓDO

Análise da Inclinação Lateral do Tronco (ILT) durante a marcha

A ILT foi avaliada através de filmagens durante a marcha e análise pelo software Tracker 2D. O participante foi estimulado a caminhar três vezes indo e voltando em espaço aberto e em velocidade confortável auto selecionada. Foram realizadas filmagens com a câmera nivelada paralelamente ao solo e posicionada com a metade da altura do participante. O participante foi preparado na posição ortostática e adesivados com uma régua de EVA de 10cm verticalmente no abdome com fita dupla face que serviu como referência de calibração para o software, e marcadores de 10mm de diâmetro foram posicionados com o mesmo método nas seguintes referências anatômicas;

  • EIAS (espinhas ilíacas ântero-superiores e 30 cm no sentido podal a ângulo 0°),
  • MAN (parte proximal do manúbrio esternal).

Foram analisadas no software Tracker 2D as imagens em câmera lenta e quadro a quadro do participante caminhando de frente a câmera (na posição que os marcadores foram colocados). Foram realizadas medições dos 3 primeiros quadros possíveis para cada ângulo e após calculados foram obtidas as médias. Os momentos selecionados para os cálculos dos ângulos do quadril (AQ) e ângulo do tronco (AT) foram denominados de pico de amplitude à direita e à esquerda, e de detecção automática (Figura 4). Para definição dos picos de inclinação para os lados o software detecta de forma automática o exato momento em que o paciente mais inclinou o tronco para esquerda e para a direita através de uma análise dinâmica do plano frontal.

Figura 4: Pico de Inclinação à direita e a esquerda – ângulos necessários para o cálculo do ILT

   

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Escolhemos os quadros que apresentaram maior desvio da linha central durante a análise automática da trajetória disponível do software na fase de apoio de cada membro inferior. Após a seleção do quadro de maior ILT, mensuramos os ângulos AQ e AT e preenchemos na tabela abaixo. Todo o procedimento para o cálculo dos valores de ILT foram realizados em três momentos: coleta 1, 2 e 3. Após as coletas, escolhemos os valores da média entre as três coletas (Tabela 2).

Tabela 2: Marcadores para localização do ângulo de ILT

RESULTADOS

Análise 01

       

   

Análise 02

   

   

Análise 03

   

   

Cálculo Geral dos vídeos analisados

DISCUSSÃO

A amputação dos membros inferiores resulta em alterações na mecânica do movimento por meio da interrupção imediata dos sistemas neuromusculoesqueléticos do corpo (HENSON et al., 2021). Pensando nessa premissa, nós investigamos se existia uma diferença no comportamento do tronco e quadril dos pacientes durante a caminhada. O comportamento mecânico do corpo na ILT de amputados é composto pelo movimento das articulações do quadril e do tronco (PERSINE et al., 2022).

Em nosso estudo nós utilizamos como base para encontrar a ILT a equação proposta por Leijendekkers et al., (2019) determinando que o ângulo da ILT seja uma soma do ângulo do quadril com 180 graus menos o AT isolado.  De forma geral, todo o conjunto lombo-pélvico se movimenta de maneira integrada e compensatória durante a marcha, tanto na fase de apoio do membro amputado como no membro não amputado. A literatura tem indicado que as alterações cinemáticas do quadril e do tronco no plano frontal de amputados TF apresentam amplitudes de movimento maiores durante a fase de apoio do lado amputado (HEITZMANN et al., 2020). Nossos achados corroboram com esses estudos descritos, visto que o paciente inclinou em média 11 graus a mais para o lado da amputação.

Esses achados podem ser explicados pela necessidade do indivíduo inclinar de maneira compensatória. Em pessoas com amputação unilateral, a atrofia muscular por desuso é observada nos músculos do membro amputado em comparação com o membro não amputado (SCHMALZ; BLUMENTRITT; REIMERS, 2001). Quando um membro é amputado ele apresenta perda das inserções distais dos músculos do coto, gerando impacto na função muscular dos membros inferiores (HEITZMANN et al., 2020).

No campo prático os resultados do nosso estudo indicam que esse paciente amputado TF inclina mais 11 graus em média o tronco para o lado da prótese, o que a literatura descreve como “lateral trunk bending” e que a execução de técnicas para calcular o ILT podem ajudar no entendimento do alinhamento postural dinâmico dos pacientes amputados e também servir como ferramenta clínica para quantificar as tentativas de simetrização da ILT nos usuários de prótese TF. Compreender os efeitos indesejados no sistema musculoesquelético de pessoas com amputação e executar atividades de reabilitação baseadas nesse entendimento beneficia diretamente a qualidade de vida dessas pessoas (SIVAPURATHARASU; BULL; MCGREGOR, 2019). Cabe ressaltar que a capacidade de andar com prótese é o principal fator para a melhoria da qualidade de vida de pessoas com amputação (DAVIE-SMITH et al., 2017).

A generalização dos nossos resultados está sujeita a certas limitações. Nosso estudo investigou a marcha em apenas um paciente e por meio da análise do ILT, porém outros parâmetros podem ser avaliados, tais como comprimento do passo, o tempo na fase de apoio da marcha e a variabilidade de marcha (KEKLICEK et al., 2019). Outra limitação do estudo foi o fato de não medirmos a discrepância na altura da prótese versus o membro não amputado, o que pode interferir no comportamento da ILT. Apesar dessas limitações, nossos achados certamente contribuíram para nossa compreensão acerca das alterações mecânicas da marcha provenientes da amputação unilateral, em especial quando consideramos o membro não amputado vs membro amputado.

CONCLUSÃO

Concluímos que a marcha desse indivíduo com amputação TF sofre influência multifatorial o que acaba gerando nele um aumento médio da ILT para o lado da prótese em aproximadamente 11 graus, sendo o cálculo da ILT através de uma análise bidimensional uma ferramenta eficaz para se obter uma resposta matemática a esse comportamento inadequado do tronco em amputados TF unilaterais usuários de prótese. Concluímos também que conhecer numericamente essa variável pode ser benéfica para direcionar a reabilitação de marcha e quantificar os possíveis benefícios desse tratamento.

– Agradecimientos

Agradeço a Deus por conduzir meus passos e sempre me proteger. À minha família querida que tanto me apoia em meus projetos e ao amigo Joaquim Cunha, por quem tenho uma profunda admiração e gratidão.

REFERÊNCIAS

PITETTI, K. H.; MANSKE, R. C. Amputação. In: American College of Sports Medicine (ACSM) (Ed.). Pesquisas do ACSM para a Fisiologia do Exercício Clínico. Guanabara Koogan. 2004. p.190-197.

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Nolan L, Wit A, Dudziñski K, Lees A, Lake M, Wychowañski M. Adjustments in gait symmetry with walking speed in trans-femoral and trans-tibial amputees. Gait and Posture, v. 17, n. 2, p. 142–151, 2003.

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